quarta-feira, 3 de março de 2010

Capítulo 12-Olhei para o céu, estava estrelado...

Cá estou eu de novo, enfiado no roupão em tecido polar que a avó Cidália me ofereceu no Natal passado, sentado na cadeira giratória, em frente da secretária, no meu quarto do 6º andar B, lote 32, rua da Esperança, freguesia de Massamá, concelho de Sintra, Portugal, Europa, planeta Terra, sistema solar, Via Láctea, universo. Perdido na imensidão do espaço, navegador de estrelas, sobre a cadeira giratória, à secretária de pinho cor de mel, controlo o meu mundo com esta esferográfica em forma de maçaroca que a Cláudia me deu nos anos. Para tu escreveres o teu diário, António! Para eu escrever no meu diário que estou sozinho no universo infinitamente grande. Eu descobri, Cláudia, que sou infinitamente pequeno, que podemos até nem existir: nem eu, nem tu, nem ninguém. Pensamos que existimos, porque apercebemo-nos da presença dos outros que nos rodeiam, mas experimenta fechar-te no quarto, experimenta ser a única testemunha da tua existência.

É antevéspera de Natal. Compras. Confusão. Compras. Frio. Compras. Nariz gelado sobre as dobras do cachecol.

Ontem, fui atrás dos outros comprar coisas. No autocarro, em pé, tentei equilibrar-me sem me agarrar ao varão metálico, como se montasse uma prancha de surf. Cheguei ao centro comercial algo enjoado, pensando como iria gerir os cento e trinta e cinco euros que tinha economizado. Parei em frente da minha loja preferida: a que tem à porta um urso em tamanho real. Resisti à ideia de comprar velas para toda a gente e de despachar a tarde de compras natalícias. Não, este ano teria de ser original, teria de encontrar o presente adequado para cada um e, simultaneamente, adequado para mim que o oferecia. Quando já perdia as esperanças, encontrei uma caixa de comprimidos com compartimentos para todos os dias da semana: era a cara da avó Cidália. Já a estava a imaginar a atestar a caixa de químicos para afastar a dor e, em último recurso, a própria morte. Na montra da livraria, encandeavam as capas garridas da literatura descartável: imaginei a cara de alegria da Sandra, a minha Barbie Sister, portanto resolvi não ceder à tentação - era adequado para ela, porém uma aberração para mim. Fiz bem em entrar, pois, no balcão do fundo, havia um prado florido de agendas com capas de obras pintores célebres. Apaixonei-me por elas, era capaz de ter comprado uma para cada um, mas tinha prometido a mim mesmo ser original, logo só a Sandra teria direito a uma para anotar os seus compromissos.

Na loja do lado, expunham-se vários baralhos de Tarot. Nova resistência! Seria um presente demasiado óbvio. Uma luz brilhou numa loja de artigos para o lar como uma estrela de Natal que pretendesse guiar-me. Naquele momento, senti-me um Rei Mago de manto dourado sobre os ombros, atraído pelo brilho. A diferença estava no facto de eu não ser portador de uma oferenda; eu procurava uma e… encontrei! Uma toalha redonda azul pintalgada de estrelas e de luas. Imaginei a avó Alice distribuindo as cartas sobre ela. Fugiu um pouco àquilo que pensara gastar, mas aquela pequena extravagância deu-me um gozo especial. Depois, a luz não parou de me surpreender, ziguezagueou à minha frente, levando-me às lojas mais estranhas, e, decorridas duas horas, eu era o portador (Pai Natal, nunca! Detesto essa personagem, desde que, aos cinco anos, ma roubaram da minha fantasia) mais alegre de todo o centro comercial: uma écharpe para a mãe; um livro de um psiquiatra famoso sobre jovens problemáticos para o pai; um fantástico cachecol para o Mauro não se constipar pelas madrugadas, à saída das discotecas; um osso-brinquedo para o Príncipe; uma moldura para Natacha colocar a fotografia dos filhos deixados com a avó, na Rússia, e uma garrafa de Borba para Nicolai- ele precisa deste líquido para sentir pulsar nas veias o sangue português… Comprei duas caixas de bombons para os tios, uns pin y pons para os primos.

Espero a consoada com alguma curiosidade.

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