quinta-feira, 25 de março de 2010

Capítulo 14- Quero amar amar perdidamente

As férias tinham acabado abruptamente, como era costume, após a euforia do Ano Novo. Tinham rumado ao Algarve, alugado uma casa a meias com um colega de Miguel- o Mário Lopes, mais conhecido pelo Mário Megabit, um crânio da informática cujo passatempo preferido era sacar filmes na net antes da estreia em Portugal. Divertiram-se à grande, até porque ele tinha duas filhas – uma feia e a outra gira, mas ambas divertidíssimas. O Mauro conseguira arrastar consigo a Cláudia de Alcácer e, por isso, a família ficara junta, caso contrário, o rapaz teria ficado em Lisboa a correr as discotecas na companhia de Picas. Depois do espumante gelado, das mariscadas e das danças estonteantes, regressaram com o ar esgazeado de quem já não dorme há dias.

Ah, ah! Quero ver esse papel! exclamou a professora de Português. Ricardo e Ana ficaram embaraçados. A professora olhou o que estava escrito, franziu a testa: Os meninos escrevem cada coisa! Que desgraça! Dobrou desinteressadamente a folha em duas partes e enfiou-a no cesto dos papéis.

Quando António entrou na sala, dirigiu-se ao cesto de papéis para deitar fora um caroço de maçã. Uma folha cor-de-rosa, dobrada em duas, chamou a sua atenção. Parecia a letra da Ana do 10º 5ª. Recolheu o papel e meteu-o no bolso rapidamente, como se estivesse a roubar algo ao mais íntimo da sua amada. O seu coração bateu mais depressa e, quando se sentou, não conseguiu concentrar-se na aula de matemática, a mão cega dentro do bolso a tentar ler o que lá estava escrito, imaginando mensagens secretas ao mesmo tempo que resolvia equações.

Foi no intervalo, atrás do pavilhão, que conseguiu abrir a folha e descodificar a mensagem.

A aliança K me dexte extá no meu bolxo.Tira-a e fica com ela!

AMO-TE IMENXO DEXCULPA.

Já te dixe K tenx K penxar antex de fazerex ax coixax.

Xim.

Max pelox vixtox ñ extáx a fazer ixo.

Eu ñ te minto +, max vaix ver como também ficax chateada.

Max ñ fico tanto e exKxo rápido.

Tou cá para ver! Vaix almoxar a caxa?

Claro!

Então ñ almoxo hoje. Tenho K guardar o dinheiro.

Para…

Para o mealheiro!

‘táx parva? Tu tenx de almoxar!

Exquexe! Eu ñ almoxo. Gaxtei o meu dinheiro e agora tenho de juntar para a minha mãe ñ dexconfiar.

Gaxtaxte o dinheiro onde?

A dar à Madú para carregar o tlm, comprei um CD, dei-te ox 50 cêntimox e lanchei e tomei o peKno-almoxo cá na excola.

Eu dou-te ox 50 cêntimox.

Ñ Kro!

Tu é K xabex! Amo-te muito.

Xe me amaxex, ñ me excondiax coixax, nem mentiax.

‘tá bem!

Poix!

Poix xim!!!!!!!!

Eu amo-te muito.

Eu ainda +!

Já comia unx ovox mexidox!

Xe eu apanhaxe a minha almofada!...

Para quê?

Para dormir!

Com Kem?

Xó ou contigo!

Qual é melhor?

Acompanhado.

Com Kem?

Contigo.

António perdeu as forças… encostou-se à parede. A sua visão ficara turva e engolia em seco para não chorar. Numa corrida, atingiu o portão da escola, desaparecendo na fria manhã de Janeiro. Tinha de chegar a casa, deitar-se na cama, tapar-se com o edredão e ficar a dormir para sempre.

Uma voz invadiu-lhe o quarto: Ei, António, fazi a cama mesmo agora, já estás desmanchar?

Gaita, a Natacha!

A empregada debruçou sobre ele os olhos russos de matriosca, aliás os meigos olhos russos de matriosca. Como é simpática a Natacha, debaixo da sua cabeleira de um louro falso.

Que se passa, António? Estás mal disposta? Queres chá?

Quero! Quero um chá para a tristeza e Florbela Espanca para lanchar.

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