Tantos enredos
Até ficarmos para sempre
Quedos!”
Alexandre O’Neill
Fechou com demasiada força a porta do táxi; o motorista ia insultá-la. Cerrou os olhos, fez uma careta, enfiou a cabeça nos ombros, depois correu a passar as portas automáticas das urgências. Abre-te, Sésamo! Parou em frente do balcão de atendimento.
Estou a morrer, falta só um bocadinho.
D.Cidália, acalme-se, ainda na semana passada aqui esteve...
Isso mesmo! Estava com um bloqueio intestinal, hoje o coração bate demais... depressa, eu preciso de ser atendida já.
A funcionária hesitou, mas, à cautela, deu-lhe prioridade e enfiaram-na na sala de observações.
Dez,vinte? Comprimido debaixo da língua. Esta sua tensão arterial tem origem nervosa.
Mas eu não sou nervosa, senhor doutor, nem estou! Pode ser hoje! Vocês mandam-me para casa e eu morro no caminho. O meu filho vai processar-vos por negligência. Eu...não... bem... o que estava eu a dizer?
A cabeça começava a oscilar sob o efeito da medicação. O dr.Teixeira deu-lhe uma palmadinha nos ombros e correu a reanimar um homem com um enfarte.
Ficara sozinha a olhar o tecto da sala, onde um rendilhado produzido pela humidade de sabe-se lá quantos Invernos se tinha tecido.
Uma fonte de ácaros. Sentiu comichão no nariz, ia espirrar. Pronto, lá vem a alergia!
Entretanto, uma enfermeira fora avisá-la de que o neto a esperava e que podia ir para casa, desde que não se enervasse. Mauro falava ao telemóvel junto à porta. A avó aproximou-se como uma sonâmbula.
Oi, avó, vamos... deixo-a em casa e, depois, vou ao escritório do Picas. Estás melhor ou esses gajos ainda te puseram pior? Tchi , estou a ver que vens pedrada!
Vê se te calas!
O rapaz ajudou-a a subir para o carro ( o jipe estava na oficina, pois o pai quisera levar uma rua à frente do pára-choques!), pôs-lhe o cinto e arrancou em alta velocidade. Os prédios sucediam-se com uma rapidez alucinante e Cidália sentia que o coração precisava de bater, mas o efeito do comprimido empurrava-a para o fundo do banco e para um estado de confusão. Agarrou-se ao cinto de segurança com toda a força. Mauro acelerava pelo eixo Norte-Sul, 2ª Circular, até travar à porta do prédio da avó, em Sacavém.
Bandido, não respeitas ninguém, nem a tua avó doente!
Avozinha, querida, toma os remédios que o doutor mandou com um chazinho de tília e deita-te.
Que remédios! Nem uma aspirina aquele incompetente me receitou! Se eu morrer, vocês prometem que o processam?
Por mim, tudo fixe, desde que me coubesse parte da indemnização...
Beijou a avó na testa, levou-a pela escada acima até casa e despediu-se.
Adeus, avó... ah, espere, tem por acaso dez euros que me empreste?
Correu a encontrar-se com o Picas que estava numa esplanada das Docas, acompanhado por duas miúdas: a Vanessa, uma rapariga ruiva e muito alta, que dizia Prontos no final das frases que iniciava invariavelmente por É assim, e a Cláudia, uma morena de cabelo oxigenado e frisado.
Não se sabe se foi amor à primeira vista, mas Mauro garante que sim. A miúda, prima em 3º grau de Picas, tinha acabado de chegar de Alcácer do Sal e de se instalar numa Residencial para estudantes, ao Lumiar, para frequentar o curso de Relações Internacionais.
Mauro não lhe confessou a sua cabulice crónica, escondendo-a por detrás de uma falsa situação de desmotivação face às áreas que ia escolhendo. Não acerto... Acho que não tenho talento para nada... primeiro, arquitectura, depois, direito, depois, informática... Hei-de encontrar o meu rumo, agora estou a tentar a área económico-social. O dinheiro é que faz girar o mundo, a minha sina é talvez estar perto dele. Sabes que eu tenho uma avó que deita as cartas? Uma curtida, a avó Alice.
Ah,sim? E que te disse ela?
Disse-me que iria encontrar uma pessoa interessante junto ao rio e que me apaixonaria por ela.
Sim?
Ah, pois! A avó não se engana! As cartas não lhe mentem.
Gostaria que ela mas deitasse.
Podemos combinar.
O telemóvel tocou. Era a avó Cidália. Uma pontada súbita atravessava-lhe o peito. Começava na quarta costela e acabava no externo. Desta é que é o enfarte!
Quando Mauro conseguiu chegar novamente a Sacavém, desta vez na companhia de Cláudia, a dor tinha-se deslocado. Agora estava no pescoço e já não conseguia engolir. Sentia o pescoço hirto. Era uma meningite!
Sabes, filho, eu acho que tem de ser alguma coisa... eu não vou resistir...
Mauro apresentou-lhe Cláudia. Foi amor à primeira vista. A avó ficou encantada com a amiga do neto. Numa breve troca de palavras, descobriu que a rapariga ainda era prima afastada de uma amiga sua natural de Alcácer. Pinhoadas e doces de laranja invadiram a sala de Cidália e a dor desapareceu de fininho. Cláudia conquistara o coração da avó.
Agora, sossegue!
Ai, meu filho, ela vai voltar, essa maldita pontada!
Até ficarmos para sempre
Quedos!”
Alexandre O’Neill
Fechou com demasiada força a porta do táxi; o motorista ia insultá-la. Cerrou os olhos, fez uma careta, enfiou a cabeça nos ombros, depois correu a passar as portas automáticas das urgências. Abre-te, Sésamo! Parou em frente do balcão de atendimento.
Estou a morrer, falta só um bocadinho.
D.Cidália, acalme-se, ainda na semana passada aqui esteve...
Isso mesmo! Estava com um bloqueio intestinal, hoje o coração bate demais... depressa, eu preciso de ser atendida já.
A funcionária hesitou, mas, à cautela, deu-lhe prioridade e enfiaram-na na sala de observações.
Dez,vinte? Comprimido debaixo da língua. Esta sua tensão arterial tem origem nervosa.
Mas eu não sou nervosa, senhor doutor, nem estou! Pode ser hoje! Vocês mandam-me para casa e eu morro no caminho. O meu filho vai processar-vos por negligência. Eu...não... bem... o que estava eu a dizer?
A cabeça começava a oscilar sob o efeito da medicação. O dr.Teixeira deu-lhe uma palmadinha nos ombros e correu a reanimar um homem com um enfarte.
Ficara sozinha a olhar o tecto da sala, onde um rendilhado produzido pela humidade de sabe-se lá quantos Invernos se tinha tecido.
Uma fonte de ácaros. Sentiu comichão no nariz, ia espirrar. Pronto, lá vem a alergia!
Entretanto, uma enfermeira fora avisá-la de que o neto a esperava e que podia ir para casa, desde que não se enervasse. Mauro falava ao telemóvel junto à porta. A avó aproximou-se como uma sonâmbula.
Oi, avó, vamos... deixo-a em casa e, depois, vou ao escritório do Picas. Estás melhor ou esses gajos ainda te puseram pior? Tchi , estou a ver que vens pedrada!
Vê se te calas!
O rapaz ajudou-a a subir para o carro ( o jipe estava na oficina, pois o pai quisera levar uma rua à frente do pára-choques!), pôs-lhe o cinto e arrancou em alta velocidade. Os prédios sucediam-se com uma rapidez alucinante e Cidália sentia que o coração precisava de bater, mas o efeito do comprimido empurrava-a para o fundo do banco e para um estado de confusão. Agarrou-se ao cinto de segurança com toda a força. Mauro acelerava pelo eixo Norte-Sul, 2ª Circular, até travar à porta do prédio da avó, em Sacavém.
Bandido, não respeitas ninguém, nem a tua avó doente!
Avozinha, querida, toma os remédios que o doutor mandou com um chazinho de tília e deita-te.
Que remédios! Nem uma aspirina aquele incompetente me receitou! Se eu morrer, vocês prometem que o processam?
Por mim, tudo fixe, desde que me coubesse parte da indemnização...
Beijou a avó na testa, levou-a pela escada acima até casa e despediu-se.
Adeus, avó... ah, espere, tem por acaso dez euros que me empreste?
Correu a encontrar-se com o Picas que estava numa esplanada das Docas, acompanhado por duas miúdas: a Vanessa, uma rapariga ruiva e muito alta, que dizia Prontos no final das frases que iniciava invariavelmente por É assim, e a Cláudia, uma morena de cabelo oxigenado e frisado.
Não se sabe se foi amor à primeira vista, mas Mauro garante que sim. A miúda, prima em 3º grau de Picas, tinha acabado de chegar de Alcácer do Sal e de se instalar numa Residencial para estudantes, ao Lumiar, para frequentar o curso de Relações Internacionais.
Mauro não lhe confessou a sua cabulice crónica, escondendo-a por detrás de uma falsa situação de desmotivação face às áreas que ia escolhendo. Não acerto... Acho que não tenho talento para nada... primeiro, arquitectura, depois, direito, depois, informática... Hei-de encontrar o meu rumo, agora estou a tentar a área económico-social. O dinheiro é que faz girar o mundo, a minha sina é talvez estar perto dele. Sabes que eu tenho uma avó que deita as cartas? Uma curtida, a avó Alice.
Ah,sim? E que te disse ela?
Disse-me que iria encontrar uma pessoa interessante junto ao rio e que me apaixonaria por ela.
Sim?
Ah, pois! A avó não se engana! As cartas não lhe mentem.
Gostaria que ela mas deitasse.
Podemos combinar.
O telemóvel tocou. Era a avó Cidália. Uma pontada súbita atravessava-lhe o peito. Começava na quarta costela e acabava no externo. Desta é que é o enfarte!
Quando Mauro conseguiu chegar novamente a Sacavém, desta vez na companhia de Cláudia, a dor tinha-se deslocado. Agora estava no pescoço e já não conseguia engolir. Sentia o pescoço hirto. Era uma meningite!
Sabes, filho, eu acho que tem de ser alguma coisa... eu não vou resistir...
Mauro apresentou-lhe Cláudia. Foi amor à primeira vista. A avó ficou encantada com a amiga do neto. Numa breve troca de palavras, descobriu que a rapariga ainda era prima afastada de uma amiga sua natural de Alcácer. Pinhoadas e doces de laranja invadiram a sala de Cidália e a dor desapareceu de fininho. Cláudia conquistara o coração da avó.
Agora, sossegue!
Ai, meu filho, ela vai voltar, essa maldita pontada!
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