segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

DITOSA PÁTRIA - novela suburbana- Cap.1



  • Agradecimentos:
    .A todos os meus amigos que desapareceram sem deixar rasto. Oxalá estejam melhor longe de mim!
    .Ao Africano que, saindo da sua mão, chocou comigo frontalmente e, depois, foi buscar os documentos do carro a casa para não mais voltar.
    .Aos distribuidores de publicidade que me entopem a caixa do correio.
    .Ao governo que tira com uma mão para tirar ainda mais com a outra.
    .Aos jornais televisivos que me servem cadáveres ao jantar, acompanhados de guerras sem fim, violência doméstica, crimes sexuais, negligência médica, vigarices várias, enfim, matéria suficiente para encenar os meus pesadelos.
    .A todos os senhores que passeiam os seus canídeos pelos passeios e parques da cidade, encerando as calçadas com excrementos de variadas formas e consistências, e que me obrigam a uma ginástica suplementar que me queima algumas calorias.
    .A todos os “arrumadores” que actuam nas zonas de parquímetros e a quem pagamos mais do que à própria máquina. Obrigada também pelo risco profundo que me fizeram no porta-bagagens; nunca mais confundirei o meu carro com qualquer outro do mesmo modelo.
    .

    PERSONAGENS:

    Miguel Almeida
    .1m 75, 90 kg, cabelo castanho, olhos claros
    .42 anos
    .técnico de informática

    Margarida Cravo Almeida
    .1m 63, sem peso oficialmente calculável, cabelo pintado de caju, olhos castanhos
    .39 anos para sempre
    .funcionária da Câmara Municipal de Confins-de-Baixo

    Mauro Almeida
    .1 m 85, 78 kg, cabelos e olhos castanhos
    .19 anos
    .estudante encalhado no 12º

    Sandra Almeida
    .1m 70, 54 kg, cabelo ruivo pintado
    .17 anos
    .aluna do 10º ano; candidata a modelo

    António Almeida
    .1m 75, 68 kg, cabelo castanho claro, olhos azuis
    .14 anos
    .aluno do 10º ano com média de 18,9; provavelmente trocado na maternidade

    Maria Alice Cravo
    .1m 60, 60 kg, olhos castanhos, tensão arterial mais frequente: 9/18
    .72 anos
    .mãe de Margarida
    .empregada dos CTT reformada
    .a sua vida é um eterno passeio

    Cidália Almeida
    .1m 63, 56 Kg e meio, olhos verdes, doente crónica, nem ela sabe já de quê...
    .70 anos
    .mãe de Miguel
    .empregada de balcão no Grandela, reformada antecipadamente após o incêndio do Chiado

    Príncipe
    .60 cm, 25 kg, boxer
    .3 anos

    D.Natacha
    .1m 70, 67 kg, cabelo e olhos pretos
    .Qual é mesmo a sua idade?
    .Mulher-a-dias em casa da família Almeida

    Nikolai
    .1m 92, 93 Kg, louro e de olhos azuis
    .35 anos
    .Formação: engenheiro de sistemas
    .Profissão: ajudante de canalizador


    Capítulo 1- O dia em que nasci moura e pereça


    Como as suas leituras de Camões já estavam a anos-luz, dos seus lábios só saiu “Raios me partam”, quando, passeando por Alfama, entalou o pára-choques do jipão numa viela. Praguejando e amaldiçoando a sua sorte, teve de sair do veículo pela porta traseira, debaixo do olhar atónito dos moradores que o ameaçaram, depois, ao verificar os estragos. Para escapar daquela difícil situação, meteu a marcha-atrás e os pneus patinaram na calçada. Não se dando por vencido, engatou a tracção às quatro rodas, acelerou e as extremidades do enorme pára-choques escavaram nos edifícios dois enormes roços, fazendo espalhar um pó de taipa indatável pelos ares .
    Chamou a PSP e, na presença do agente Antunes de sobrolho carregado, Miguel Almeida jurou que a fachada daqueles dois prédios tinham umas barrigas traiçoeiras que lhe caçaram o jipe . Os moradores revoltados exigiram indemnizações, reparação das paredes e pinturas, enfim, um sem número de exigências, na esperança de uma hipótese de restauro gratuito.
    Pinturas? Aquelas capoeiras não viam tinta há mais de quarenta anos. Mas não havia nada a fazer! Felizmente o seguro cobria-lhe as despesas. O pior era o jipe na oficina.
    Passou a apanhar o comboio, de Massamá para Entrecampos (ida e volta, que remédio!). Sufocava entre os rostos mal acordados, desequilibrava-se quando viajava em pé, sentia-se encolhido ao lado da rapariga que lia a revista ANA, em edição de bolso (agradecendo a Deus por ela não se lembrar a ler o Guerra e Paz), em frente a dois pretos que se balançavam ao som da música dos seus phones, mas que era audível em toda a carruagem.

    À tarde, regressava da mesma maneira, entre odores a suor, a pés recozidos e a tabaco requentado, maldizendo os toques dos telemóveis (e como tocam essas máquinas nos comboios!), e as conversas de dezenas de passageiros. As conversas… que estranheza! As coisas que ficamos a saber... O estudante de blusão verde confessava à namorada ter copiado no exame de Química Orgânica; a senhora de óculos de gata falava da Milu que era uma grande mentirosa e que nunca mais a convidava para almoçar; a miúda da pastilha elástica combinava uma ida ao cinema com o melhor amigo do namorado,
    sem cenas, ‘tás a ver? É assim, ele não tem de saber, meu!
    Miguel pensava que viajar de comboio seria tão perigoso como meter a cabeça dentro do microondas; fechou os olhos e adormeceu. Abriu-os quando o revisor lhe tocou no braço. Estava em Mem-Martins. Como o bilhete só era válido até Massamá, pagou, sem reacção, com o olhar hipnotizado pela hora de ponta, os cinquenta euros de multa. Como um autómato, caminhou até casa, sem se lembrar de comprar o frango no churrasco para o jantar com picante e molho de limão, mais as batatas fritas Saloias Estaladiças, pujantes de colesterol e de sal.
    Decididamente, Miguel, não serves para praticamente nada! gritou-lhe a mulher. Nem a porcaria de um frango sabes comprar!
    Manda vir uma Pizza ! Não stressem! Para mim pode ser Quatro Estações!
    Cala-te, Sandra! Estão proibidos de falar em estações… em comboios! A minha vida tornou-se um inferno, um churrasco monumental! Façam omeleta de atum e salada de tomate.
    António apareceu à porta do quarto: Já comemos omeleta de atum três vezes esta semana! Mas há salsichas enlatadas na despensa.
    Está bem, eu faço arroz de salsicha! Que merda! Aguentem meia hora!
    Eu vou comer um queijinho
    , disse Miguel, abrindo a porta do frigorífico. E também vai uma cervejinha… Onde está o queijo? Onde está aquele queijinho de Nisa que a minha mãe trouxe? Só vejo aqui um nacozito.
    Aquele baixinho e de sabor forte?
    O Mauro traçou-lhe a forma com um gesto. Era uma maravilha. Desculpa, pai, não sabia que era de estimação.
    E tiveste o descaramento de deixar uma casquinha ridícula no frigorífico
    ? Atirou a casca ao Mauro, mas o Príncipe foi mais rápido e apanhou-a no ar.



4 comentários:

  1. Cara Amiga:

    Belo presente de Natal, este!!!
    Foi bem divertido de ler. Não pude disfarçar um sorriso. Força para continuar a dar asas a essa criatividade toda.
    PARABÉNS!!!
    Fico a aguardar cenas dos próximos capítulos e a torcer por mais protagonismo para o Príncipe. Será o encantado?? ou vira batráquio? Um Grande Beijo da Zé Capelão

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  2. Obrigada pelo comentário da minha foto em Olhares br... Suas fotos são maravilhosas. Tornei seguidora do seu blog... Tenho também um blog onde posto minhas poesias. Muito axé e que Oxalá nos guie nesse ano. Abraços.

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  3. Oi Priminha, Gostei! E então o príncipe adorei, sabes que sempre gostei dos Boxer.
    Beijinhos, para a D.Rosa Tb.
    Chico.

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